Das bobagens que escrevo - parte 2

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Sheila vivia em um orfanato. Tinha seis anos. Morava lá desde que se lembrava. Não tinha recordações de seus pais. Lamentava principalmente não lembrar nem saber de nada a respeito de sua mãe. Era assim com a maioria das crianças do orfanato, que totalizavam 47. Crianças mais novas que ela. E mais velhas também. Já vira algumas serem adotadas, geralmente as menores. Sabia que quanto mais o tempo passava, menores suas chances de ter uma família de verdade. Por isso, odiava seu aniversário.

Era época de Natal. Coincidentemente, era também época de seu aniversário. O que havia de bom era que sempre ganhavam presentes de pessoas imbuídas do “espírito natalino”. Apareceu um grupo dessas pessoas no orfanato. As freiras colocaram as crianças em duas filas: a dos meninos e a das meninas. Quando chegou sua vez, ela recebeu um pacote caprichosamente embalado. Olhou para a moça que havia lhe entregado. Parecia um anjo. Com cerca de 16 anos, tinha longos cabelos castanhos e vestia um delicado vestido branco com detalhes em azul. A moça sorriu para ela. Sheila sorriu de volta. Sentou-se num dos bancos do jardim, meio afastada da algazarra das outras crianças. Abriu seu pacote. Uma boneca linda, com um cordão prateado no pescoço.

A algazarra diminuía; os presentes estavam acabando e todas as crianças haviam recebido um. A moça que parecia um anjo aproximou-se dela e perguntou a Sheila se havia gostado do presente. Ela, abraçada com a boneca, respondeu que sim.

- Gostaria de passar a noite de Natal em minha casa?

- Eu posso?

- Claro, pedirei às irmãs.

Foi assim que, na véspera de Natal, a moça que parecia anjo chegou para buscar Sheila. A menina havia colocado seu melhor vestido e trazia a boneca, da qual ela não havia mais se separado, nos braços. A moça segurou uma das mãos de Sheila e caminharam alguns quarteirões até chegarem a uma casa simples, mas bonita e aconchegante. Sheila viu muitas fotos nas estantes, mas antes que pudesse perguntar quem eram, a moça a chamou.

- Me ajuda a pôr a mesa?

- Claro.

A mesa tinha uma toalha rendada branca e vermelha. Linda. E ficou ainda mais bonita quando a arrumaram com pratos, copos e talheres prontos para a ocasião. Foi então que surgiu uma senhora de cabelos grisalhos, com um sorriso aberto, desses que iluminam o ambiente.

- Seja bem-vinda. – disse-lhe a senhora. E abraçou Sheila como se fossem velhas conhecidas.

- Mamãe! – exclamou a jovem, vindo se juntar às duas no abraço.

Comidas e bebidas foram servidas e a menina e a moça se divertiam ouvindo as histórias que a senhora de cabelos grisalhos contava. Falava sobre seu esposo, que já havia sido “chamado pelo Senhor”, mas que tinha deixado boas lembranças.

-Ele iria adorar você. – comentou a senhora com seu sorriso inigualável.

Sheila estava feliz. Feliz como nunca tinha se sentido em sua vida. A ceia estava deliciosa, tudo era perfeito. Mas como todo sonho bom, sempre acaba. E, assim, chegou a hora de voltar ao orfanato. Ela pegou sua boneca e a moça novamente segurou uma de suas mãos, conduzindo-a no caminho de volta. Na frente do orfanato, uma lágrima silenciosa rolou pela face de Sheila. A moça que parecia anjo viu a lágrima cristalina. Então, tomou delicadamente a boneca das mãos de Sheila. Retirou o cordão prateado da boneca e abaixou-se de forma a ficar no mesmo nível da menina. Colocou o cordão no pescoço de Sheila. Deu-lhe um beijo no rosto. E sussurrou “Não se preocupe. Tudo vai dar certo”. Então a moça se levantou. E foi só então que Sheila percebeu que no pescoço dela reluzia o mesmo cordão, com o mesmo pingente. Sheila sorriu.

Uma semana depois, uma jovem senhora surgiu no orfanato. Ela vinha com seu esposo que, no momento, conversava com uma das freiras. Sheila, que brincava no meio de outras tantas crianças, viu o casal. No mesmo instante, seus olhos cruzaram com o da jovem senhora, que se aproximou, se abaixou perto de Sheila e disse: “Filha querida!”. E abriu um sorriso que iluminava tudo pouco antes de abraçar a menina. Sheila não teve dúvidas: o mesmo sorriso, o mesmo perfume... Os cabelos não estavam grisalhos, mas era a mãe da moça que parecia anjo. Sheila procurou saber da moça, descreveu-a... A jovem senhora, no entanto, não sabia de quem ela falava. Instintivamente, Sheila segurou o pingente que estava em seu pescoço. E entendeu tudo: aquela moça era ela.

"Não há maior prova de ignorância do que acreditar que o inexplicável é impossível." (S. Bilard)

 

2 comentários:

christine on 25 de setembro de 2010 às 01:10 disse...

Linda...

Daniel Savio on 27 de setembro de 2010 às 16:50 disse...

Achei bonito, mas isto também nos faz lembrar que a nossa felicidade só veem de nós...

Fiquem com Deus, amiga e sobrinho.
Um abraço.

 

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